Monza, 1956: o maior jogo de equipe (limpo) da história do automobilismo
- Alex Neres
- 30 de jan. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 30 de jan. de 2019

Quem não se lembra daquele marcante Grande Premio da Austria de 2002? Sim, aquele famoso pela locução de Cleber Machado que virou um bordão nacional "HOJE NÃO, HOJE NÃO... Hoje sim!", após Rubens Barrichello tirar o pé na linha de chegada para deixar Michael Schumacher ganhar a prova. A Ferrari foi massacrada pela mídia, o regulamento da categoria mudou drasticamente para evitar marmeladas tão explícitas (o que não impediu por exemplo o "Fernando is faster than you...", por exemplo). Daquele dia em diante, o jogo de equipe virou para muitos, uma coisa que estraga o esporte.
Mas se voltarmos bem no tempo e analisarmos uma situação atípica também envolvendo a Ferrari, veremos que a corrida austríaca não foi nada. E se um jogo de equipe valesse muito mais do que uma vitória? Como seria possível isso? Apertem os cintos porque tem carros dando voltas!
Domingo, 2 de Setembro de 1956. Última corrida da temporada, o GP da Italia realizado em Monza, ainda na pista de 10 km que englobava misto e oval. Três pilotos tinham chances de chegar ao título: as Ferrari de Juan Manuel Fangio e do jovem Peter Collins e a Maserati de Jean Behra. Para o argentino, a situação era a mais tranquila, pois com 30 pontos, dependia apenas de si próprio (na teoria, porque na verdade não seria bem assim, você verá), enquanto que a nova geração de pilotos que também disputava aquele mundial tinham 22 pontos cada. Ambos dependiam da vitória e de Fangio não marcar pontos.
Fangio faz a pole, porém logo na largada perde a posição para seu outro companheiro de Ferrari, o italiano Eugenio Castelotti e para a Maserati de Stirling Moss. Porém Moss alcança a liderança ainda na quinta volta, devido a um desgate excessivo que obrigou Castelotti e Collins, que largou em 7o a fazer uma troca de pneus. Com isso, Stirling Moss seguia liderando com Fangio em 2o e Harry Schell em 3o.

Porém na volta 30, é Fangio que vai para os boxes, com um problema na suspensão. Seu carro não tinha mais condições de continuar, porém o comendador Enzo Ferrari queria muito o título. Quando a quinta Ferrari, pilotada por Luigi Musso parou, Enzo ordenou que ele desse o carro para Fangio (o que era permitido na época). Musso recusou pois queria muito ganhar aquela prova, estando naquele momento em 2o, atrás apenas de Stirling Moss.

Parecia tudo perdido para argentino, mas na volta 35, Collins para no boxe e oferece seu carro para Fangio finalizar as 15 voltas restantes. O piloto argentino assumiu a Ferrari em 3o. Lá na frente, na volta 46, Moss enfrentava problemas e estava ficando sem combustível, fazendo com que Musso assumisse a liderança que tanto queria para ganhar a prova. Mas as coisas que só aconteciam nos primórdios da Formula 1 deram as caras: o companheiro de equipe de Moss, o italiano Luigi Piotti era retardatário e empurrou literalmente o carro do inglês para os boxes. Assim Moss abasteceu e voltou em 2o, reassumindo a ponta na volta 48 quando a Ferrari de Musso quebrou. Conseguiria imaginar isso acontecendo hoje?

Agora entra a parte interessante da história: Moss vence, Fangio chega em 2o. O argentino tinha 30 pontos e marcou 3 pontos (6 pontos pela 2a posição dividido por 2 por compartilhar o carro) e foi campeão. Collins poderia ter recusado como Luigi Musso fez e seguido até o fim sozinho e levado o título. A explicação é clara: se Peter Collins não tivesse parado na volta 35, ele ficaria com pouca distancia de Musso e Moss, tendo assim condições de assumir a liderança e ganhar a prova. Assim, marcaria os 8 pontos, o que o deixaria empatado com Fangio, levando o título por ter uma vitória a mais. Ironia do destino, Collins sequer conseguira o vice-campeonato. Acabou em 3o, pois Moss venceu e fez a volta mais rápida, indo a 27 pontos efetivos, contra 25 do inglês.

Quando perguntado porque havia tomado aquela atitude e abdicado o título cedendo o carro a Fangio, Collins disse que ele ainda era muito jovem e que a vez dele ainda haveria de chegar, de ter a sua glória. Infelizmente essa gloria nunca chegou: Collins acabou por perder a vida menos de dois anos depois em uma acidente no GP da Alemanha de 1958, apenas duas semanas depois de ter ganho a prova anterior, na Inglaterra.
O jogo de equipe pode sim ser cruel, mas as vezes pode haver muita coisa em jogo. Barrichello perdeu aquele dia a sua segunda vitória, mas conquistou muitas outras, deu muitas alegrias para o Brasil e hoje quando nos deparamos com uma Formula 1 sem brasileiro, sentimos falta dele. Infelizmente Peter Collins foi o maior exemplo de companheirismo dentro de uma equipe de Formula 1 para ajudar o outro, mas a vida lhe cobrou nunca mais ter a oportunidade de viver o sonho de poder chegar perto de um título.
P.S.: Sobre o "limpo" no título da matéria, vocês vão entender no próximo texto que farei sobre jogo de equipe. Porém o próximo demonstra o que de mais feio que se pode fazer no automobilismo. Logo vocês saberão.
That's All Folks!
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